Carta ao governador Beto Richa e à sociedade paranaense,

Nós, moradores das comunidades ameaçadas de remoção e integrantes de movimentos sociais do Paraná vimos, por meia desta carta, mostrar nosso repúdio ao grande déficit habitacional, a especulação imobiliária, aos monopólios territoriais e aos despejos promovidos pelas obras da Copa do Mundo em Curitiba e Região Metropolitana. Procuramos articular diversas comunidades para mostrar que essas lutas são comuns e que lutaremos juntos para que nossas reivindicações sejam verdadeiramente atendidas.

Hoje, dia 04 de abril de 2012, durante a Jornada Nacional de Lutas de movimentos populares articulada pela Frente Resistência Urbana, reivindicamos ao governo do Estado do Paraná o compromisso para realizar políticas públicas que consigam resolver de uma vez por todas a situação calamitosa de nossas cidades para a classe trabalhadora, seja pela falta de moradia digna, de água, luz, asfalto, esgoto, infra-estrutura ou serviços como educação e saúde de qualidade.

A Grande Curitiba é o principal e mais desenvolvido centro econômico e financeiro do Paraná (sendo responsável por cerca de 40% do PIB do estado); a quarta aglomeração urbana com mais riqueza do país, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Entretanto, conforme relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), Curitiba foi considerada a décima sétima cidade mais desigual do mundo. A crescente riqueza do centro de Curitiba depende da maior pobreza de cidades da sua Região Metropolitana como Araucária, Almirante Tamandaré, Campo Magro, Colombo, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Campo Largo, Contenda, Fazenda Rio Grande, Lapa, Mandirituba, Quitandinha, São José dos Pinhais e Dr. Ulysses, um dos municípios mais pobres do Brasil. Isso também se reproduz pelo interior do Estado, com diversas situações precárias na situação da moradia e bem-estar da população. A riqueza do centro pressiona os trabalhadores da periferia a serem cada vez mais pobres.

Atualmente existem inúmeras áreas de moradias irregulares por todo o Paraná. Segundo dados divulgados recentemente, se observa no Paraná um déficit de pelo menos 270 mil moradias. Somente em Curitiba a falta de moradia alcança o a soma de pelo menos 70 mil casas.

Esta situação é agravada pela posição dos governos, que alegam não poderem fazer nada ou a falta de recursos. Outras vezes buscam convencer a população carente de moradia que devem esperar para, quem sabe um dia, serem sorteadas e terem garantido o seu direito constitucional à moradia. Para piorar ainda mais, essa postura governamental prioriza a intervenção policial repressiva em detrimento da solução pacífica de um conflito social, sem a abertura de um canal de negociação que permita a discussão com os ocupantes buscando alternativas para resolver o problema crônico da falta de moradia.

Há inúmeras demandas locais no Paraná que precisam de soluções urgentes. Propomos priorizarmos caminhos para resolvê-los por meio da construção de um Grupo de Trabalho com funcionamento constante composto por representantes de órgãos competentes do Poder Público em seus âmbitos estadual e municipal, como Secretarias de Habitação, e representantes das comunidades e de organizações de movimentos populares. Através deste mecanismo esperamos que perante a sociedade civil seja privilegiada a compreensão e atendimento de suas demandas com celeridade, sem se deter em eventuais entraves burocráticos que muitas vezes inviabilizam a construção real dos direitos democráticos e de cidadania que nossa população e nossas comunidades necessitam.

Um grave exemplo pode ser encontrado nas Moradias Sabará. Localizadas na Cidade Industrial de Curitiba – CIC, o local conta com um conjunto de oito vilas que surgiram na década de 1980, em uma área originalmente pensada para concentrar as indústrias que modernizaram Curitiba, e sofreram a intervenção da COHAB na década seguinte.

A COHAB, com a proposta de realizar a regularização a situação jurídica da área, celebrou contratos com cerca de 37 mil famílias, ficando acordado que os moradores pagariam mensalmente e, após a quitação do contrato, deixariam de ser apenas possuidores e se tornariam proprietários dos lotes negociados. Porém, após o pagamento de todas as parcelas, os moradores não receberam a contraprestação comprometida, ou seja, a transferência de propriedade dos lotes em que viviam. Apenas muitos anos depois, com o julgamento de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público, descobriram que foram vítimas de uma fraude, pois os contratos firmados pela COHAB foram estabelecidos em violação a vários dispositivos legais, o que tornava impossível a transmissão da propriedade em favor dos moradores perante o cartório competente.

Em decorrência da malograda atuação da Companhia, as Moradias Sabará organizadas exigem reparação pelos danos causados pela COHAB desde 1994, em especial: a) regularização fundiária dos terrenos a custo zero e b) devolução do dinheiro pago indevidamente em razão dos TUCS (Termos de Uso e Concessão do Solo) anulados pela 4ª Vara da Fazenda Pública em 2004. Também requerem maior investimento da Prefeitura na vila, que não conta com escola pública de nível médio e que conta com um serviço de saúde precário.

A estas reivindicações, outras têm se somado, em decorrência de novos problemas que vêm incidindo sobre os moradores da Vila Sabará.

No último dia 12 de março de 2012 cerca de 500 famílias que ocupavam uma área urbana no bairro foram violentamente despejadas pela Polícia Militar e Guarda Civil, por ordem direta do Governo Estadual e apoio da Prefeitura de Curitiba. A operação policial foi extremamente agressiva contra os moradores, com a utilização de “bombas de efeito moral”, destruição total ou parcial de bens dos ocupantes e, inclusive, graves casos específicos de violações cometidas contra as famílias, o que ensejou denuncia recente perante a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa. Têm sido buscadas, por uma coordenação representativa do grupo, diversas negociações com o Poder Público que, todavia, ainda não obtiveram encaminhamentos concretos na solução dos problemas causados.

            Outra situação de enorme gravidade é encontrada no Guarituba, área onde residem 50 mil famílias em situação irregular, se conformando como a maior ocupação do Paraná e do Sul do país, porém, completamente negligenciada pelo Município e Governo do Estado.

Desde que as antigas possessões coloniais da Fazenda Guarituba foram loteadas pela primeira vez em 1951, a proteção ambiental e a ocupação dos terrenos por trabalhadores em busca de moradia tem sido motivo de crescente tensão. Não há dúvidas que a proteção ambiental é prioridade num Estado democrático, mas os trabalhadores não podem ser acusados do problema do qual são, na verdade, vítimas. Os poderes do Estado do Paraná e do Município de Piraquara têm jogado lenha na fogueira deste conflito. O ápice deste joguete foi o lançamento, em 24 de agosto de 2007, do “maior programa de urbanização de favelas do Brasil”, segundo o ex-presidente Lula. Palco do lançamento do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) no Paraná, em 2007, o Guarituba continua com grandes problemas de desrespeito ao direito à moradia digna da população em detrimento da preservação do meio ambiente. Segundo a prefeitura do Município, quase 80% das moradias da região são irregulares. O resultado da falta de política habitacional leva o bairro a responder por 85,4% do déficit habitacional de 260 mil domicílios no Paraná, além da demanda por acesso à água, transporte, asfalto e saneamento básico.

Dentro do programa Minha Casa Minha Vida, foi projetada uma obra que incluía a construção de 803 casas e a regularização de milhares de moradias que já existiam no bairro. Até hoje, nenhuma das 803 casas foi construída e nada foi feito para regularizar a situação precária dos moradores. A própria Gazeta do Povo acusou o atraso nas obras de agravar a situação, uma vez que havia atraído 10 mil pessoas para a região entre 2007 e 2010 (configurando um crescimento populacional na margem de 8% ao ano).

É hora de dar um basta ao jogo de empurra-empurra dos poderes regionais e federais; construir as casas não é tão difícil, e a regularização pode (e deve) ser feita de acordo com o direito ao meio-ambiente. Se os trabalhadores não tivessem de resolver o problema habitacional com as próprias mãos, as áreas de proteção ambiental não seriam ocupadas.

            Outra área que precisa de muita atenção de nossa parte é o Jardim Itaqui, um dos bairros mais carentes de São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba, onde há onze anos residem cerca de 200 famílias em condições extremamente precárias de moradia, mobilidade, serviços públicos e infra-estrutura. Por todo esse período os moradores reivindicam junto a todas as esferas do Poder Público o fornecimento de serviços públicos básicos e infra-estrutura que lhes permita viver dignamente.

Enquanto sofrem com o descaso da Prefeitura Municipal, que sequer se propõe a discutir a péssima situação de moradia e ausência total de recursos às quais estes muitos homens, mulheres, crianças e idosos estão submetidos, inúmeras dificuldades afligem a comunidade: faltam serviços de luz, saneamento, pavimentação das ruas, têm surgido graves problemas com o fornecimento de água tratada, não há creche, escola ou posto de saúde.

Além do não reconhecimento dessas demandas, os moradores são vítimas de constantes ameaças de despejo pela Prefeitura Municipal, sob a alegação de ser uma área de proteção ambiental. Todavia, quando procuram o Poder Público para buscar uma solução adequada para as famílias que ali constituíram suas vidas há anos, não são ouvidos. Já há muitos anos os moradores do Jardim Itaqui reivindicam o direito de permanecerem na área e o reconhecimento de seu direito à moradia digna, previsto na Constituição Federal a todos os cidadãos.

Para isso, exigem a atuação do Poder Público dispondo os recursos que possui em benefício do povo. Por isso, as famílias continuam se manifestando, até que sejam atendidas, na luta pelo reconhecimento da legitimidade das demandas locais das famílias residentes na área; atuação do Estado e do Município disponibilizando à comunidade os serviços coletivos básicos, como o de pavimentação das ruas e de saneamento básico; intervenção do Estado junto à Copel para a instalação de geradores de luz no bairro; autorização para a instalação de uma rede provisória de água e individualização dos medidores para cada morador, pela Sanepar; definitiva regularização do Jardim Itaqui, satisfazendo o direito à moradia digna das famílias.

Estão sendo feitas outras desapropriações vinculada aos projetos da Copa, como a vila Suíssa, Quissisana, Costeira, Nova Costeira e Riacho Doce ligada a ampliação do aeroporto Afonso Pena. O decreto de desapropriação saiu em dezembro do ano passado e até agora as famílias não sabem aonde vão morar.

            Em Londrina, no dia 15 de março, houve mais um episódio sobre o conflito de moradia que existe em nosso Estado. Famílias instaladas há no mínimo 15 anos no Vale dos Tucanos, sofreram um despejo com a argumentação de que ocupavam uma área de preservação permanente. O Vale dos tucanos é uma ocupação urbano-rural, montada nos meados dos anos 70 pela própria prefeitura, ao realocar famílias que moravam próximas ao Moringão (centro da cidade). Na época, eles foram alocados ao lado de um lixão, que hoje foi transformado em um bairro urbanizado que está em processo de valorização com a construção de condomínios fechados na Rua Bélgica e diversos prédios. Foram expulsos sem nenhuma contrapartida financeira dos diversos anos que ergueram suas casas. A prefeitura prometeu destinar cerca de 40 famílias para o Jardim Cristal (Zona Sul), com entrada prioritária dentro do programa Minha Casa Minha Vida, que ainda não estão finalizadas.

Situações como essas ocorrem em centenas de áreas por todo território paranaense. É por isso que nesta carta nós, setores organizados da sociedade civil, demandamos que o Governo Estadual reconheça nossas reivindicações para fim de:

a)      Designar um GRUPO DE TRABALHO para tratar do problema da moradia popular no Paraná composto por representação de órgãos competentes estaduais e municipais, como Secretarias de Habitação, e representantes das comunidades e de organizações de movimentos sociais.

b)      Realizar, pelo Governo do Estado, um levantamento capaz de detalhar todas as terras públicas urbanas municipais e estaduais, através de um banco de dados público que permita a consulta e a formulação de projetos de moradia popular;

c)      Esclarecer qual o orçamento estadual e municipal previsto para a habitação, detalhando deste orçamento qual o percentual destinado à construção de moradias populares para pessoas com renda de até no máximo cinco salários;

d)      Divulgação pública da lista de inscritos nos programas de moradia, tanto do governo estadual, quanto do governo municipal, através de publicação aberta nos sítios eletrônicos dos órgãos responsáveis, bem como da entrega para consulta aos interessados primando pela transparência da lista e da seleção;